Governo de SP quer criminalizar dívida de ICMS de 16 mil empresários

Com base em decisão do STJ, estado quer cobrar devedores considerados contumazes. Cerca de 16 mil empresários no estado de São Paulo correm o risco de serem condenados à detenção se for confirmada a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que criminalizou o não pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). 

Em agosto, o STJ considerou que Robson Schumacher e Vanderléia Shumacher, proprietários de uma loja de produtos infantis em Santa Catarina, cometeram crime de apropriação indébita ao não transferirem aos cofres públicos o imposto pago pelos clientes no ato da compra. O STJ negou o pedido de habeas corpus feito pelos comerciantes, que alegavam que não praticaram um crime, como considerou o Tribunal de Justiça, mas mero inadimplemento fiscal (situação em que a punição é menor, administrativa, por meio de multa, juros e correção monetária).

Como crime, a pena por apropriação indébita tributária é de seis meses a dois anos de detenção. Em regra, é cumprida no regime aberto.

Fachada da sede do STJ (Supremo Tribunal da Justiça), em Brasília – Alan Marques – 24.nov.10/ Folhapress Se for réu primário, acaba tendo de pagar uma multa ou fazer serviços comunitários. “Mas fica com uma espada sobre a cabeça”, afirma o criminalista Ricardo Sayeg.  Havendo reincidência, pode responder em regime semiaberto.

O novo entendimento do STJ vale para as chamadas operações próprias e declaradas ao fisco.
Pode vir a alcançar os devedores de ICMS em todos os estados do país. O caso está no STF (Supremo Tribunal Federal). “O que se criminaliza é o fato de o contribuinte se apropriar do dinheiro relativo ao imposto”,
disse o ministro Reynaldo Soares da Fonseca em seu voto no julgamento no STJ. Caso a decisão seja confirmada, em tese 166.088 empresários paulistas correrão o risco de serem condenados. Juntos, eles devem R$ 89 bilhões.

O governo paulista, no entanto, pretende ir atrás apenas dos chamados devedores contumazes, cujo número é bem menor: 16 mil, que são responsáveis por uma dívida calculada em R$ 34 bilhões.

Os setores têxtil, de metalurgia e de máquinas e equipamentos estão entre os maiores devedores em São Paulo.

“Não dá para colocar todos os devedores na mesma cesta”, afirma Ana Lúcia Pires, subprocuradora-geral do contencioso tributário fiscal. “O alvo não será o contribuinte que foi atingido pela crise econômica, mas o que efetivamente se financia à custa do Estado.”A legislação paulista considera devedor contumaz aquele com débitos durante seis períodos de apuração, de forma consecutiva ou não, em um prazo de 12 meses.  

 A Procuradoria, em parceria com a Secretaria de Estado da Fazenda, pretende fazer uma verificação minuciosa e encaminhar os casos recorrentes ao Ministério Público Estadual.  Na avaliação do governo, o devedor contumaz chegou a essa situação deliberadamente, no intuito de utilizar o valor devido como capital de giro.
Como pelo entendimento anterior não havia punição criminal, deixava para resolver a situação fiscal lá na frente, muitas vezes recorrendo a programas de parcelamento da dívida.

A criminalização, no entendimento do governo, acaba com esse tipo de estratégia, à medida que essa situação passa a ser equivalente à do contribuinte que recorre a fraude para sonegar imposto. “Ninguém tem o direito de reter o que não é seu”, afirma a promotora Tatiana Bicudo. 

O advogado tributarista Igor Mauler Santiago defende um dos comerciantes condenados criminalmente em Santa Catarina. Ele contesta a decisão do STJ. “Não se pode criminalizar o que não está previsto na lei”, afirma. O advogado considera também que a decisão, ao criminalizar o devedor da mesma forma que o
sonegador, acabará sendo contraproducente.“Vai jogar no caminho da fraude o sujeito que não tem o dinheiro para pagar naquele momento, mas que estava sendo franco com o fisco, declarando o imposto devido”, diz Santiago.

Preocupada com a decisão, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) pediu e obteve autorização do STF para opinar nos autos do processo. Um estado da Federação também poderá participar.

O advogado Ricardo Sayeg afirma que ninguém pode ser preso por dívida. “Criminalizar o não pagamento de imposto é inconstitucional, além de uma violação aos direitos humanos”, afirma Sayeg.
O criminalista cita o “Pacto de San José da Costa Rica”, assinado pelo Brasil em 1992, pelo qual ninguém deve ser detido por dívidas, a não ser em razão de inadimplemento de obrigação alimentar. “Se não houve fraude, não há crime.” 

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